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Aspas: Rubem Alves


Fazer nada

A manhã está do jeito que eu gosto.

Céu azul, ventinho frio. Logo bem cedinho convidou-me a fazer nada.

Dar uma caminhada - não por razões de saúde, mas por puro prazer.

Os ipês floriram antes do tempo - vocês já notaram? E não existe coisa

mais linda que uma copa de ipê contra o céu azul.

Cessam todos os pensamentos ansiosos e a gente fica

possuído por pura gratidão de que a vida seja tão

generosa em coisas belas.

Ali, debaixo do ipê, não há nada que eu possa fazer.

Não há nada que eu deva fazer.

Qualquer ação minha seria supérflua.

Pois como poderia eu melhorar o que já é perfeito?

Como disse uma vez o mistico Angelus Silésius, as flores

não têm porquês; florescem porque florescem.

Pensei que seria bom se também nós fôssemos como

as plantas, que nossas ações fossem um puro transbordar

de vitalidade, uma pura explosão de uma beleza que cresceu

por dentro e não mais pode ser guardada.

Sem razões, por puro prazer.

Mais aí olho para a mesa e um livro de capa verde

onde estão escritos os desejos dos outros

- este livro se chama agenda-

e me lembra que não vivo no Paraíso, que não tenho

direito de viver pelo prazer.

Há deveres que me esperam.

Só podemos ser felizes quando formos como

os ipês; quando florescemos porque florescemos;

quando ninguém nos ordena o que fazer,

e o que fazemos é só um filho do prazer.

Como disse Fernando Pessoa: "Somos o intervalo

entre o nosso desejo e aquilo que o desejo dos outros fez de nós"

Certos estão os taoístas: a felicidade suprema é o Wu-Wei, fazer nada.

Porque só podem se entregar às delícias da comtemplação

aqueles que fizeram as pazes com a vida e não se esqueceram

dos seus próprios desejos.

(Rubem Alves, Parte da crônica Fazer nada)

Fiquei bastante triste ao saber que Rubem Alves esta doente e

bem debilitado...

Sempre aprecie sua obra (apesar de ter poucos livros dele),

Porque só podem se entregar às delícias da contemplação



Enfim, o que desejo para sua semana é que vocês consigam conciliar

seus desejos com seus deveres e que não esqueçam nunca de parar

e contemplar as coisas belas da vida..

Um beijo em todos!

Sheila

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